domingo, 27 de maio de 2018

Ainda falando sobre à Ultra de 12h e 6h de Macaé 2017

Por Fernando Pangaré
Professor e Ultramaratonista
Ceará

O blog do ultramaratonista Jorge Cerqueira, no Rio de Janeiro, trouxe, nessa semana, uma entrevista com corredores que faziam uma ultramaratona que ocorreu na cidade de Macaé/RJ, nas modalidades 6h e 12h - sua estréia na ultradistância.

Diz o ditado popular que "a primeira vez a gente nunca esquece". No meu caso, deu-se em fevereiro de 2002. Corri os 50 km de Rio Grande, no Rio Grande do Sul, e, no mesmo ano, em dezembro, fi minha primeira prova de 24 hs: percorri 149 Km em Salvador e fui o sétimo geral.

Aproveitando a deixa, eu lembro que existe algo que me chama atenção nos dias atuais: a falta de estrutura emocional, psicológica, fisiológica e orgânica dos camaradas que estão se metendo na ultradistância.

Eu vejo, com muita tristeza e com muita preocupação, o fato do camarada começar a correr hoje e, amanhã, sair alardeando por aí que é 'maratonista'; na semana que vem, já grita que é 'ultramaratonista'.

Sem trabalho de base, sem sequer saber o que é ultradistância, saem por aí, auto-entitulando-se 'do ramo'.

É por isso que temos assistido a um mar de gente quebrada, lesionada, contundida e machucada. Realmente, falta um pouco de entendimento sobre o que é a ultradistância. Falta a compreensão da estrutura orgânica mínima para que possamos adentrar a esse mar revolto. É o tal do lastro fisiológico.

Qual é a tua bagagem para tentar enveredar por uma área aeróbia altamente distinta, altamente complicada e altamente exigente?

Um fato, nessa discussão, é intocável: manter o equilíbrio térmico, a funcionalidade fisiológica, a eficiência energética e a qualidade biomecânica na ultradistância não é, não foi e nunca será algo de construção simplória.

Se esses caras soubessem, de verdade, o que é ultradistância, talvez pensassem duas vezes - ou mais - antes de sair por aí, mudando seus nomes nos perfis de rede social, assinalando 'Ultra-José', 'Ultra-Antônio', 'Ultra-Severino'.

Todo mundo é - virou, se transformou em - ultramaratonista? Num passe de mágica? Num piscar de olhos? Brincadeira, hein?

Agrava tudo isso o fato de que se trata, dada a sua especificidade, de uma área carente de conhecimento profissional incisivo, o que termina por gerar uma lacuna na orientação teórica que deveria visitar os atores envolvidos na ultradistância, o que nos levaria a perder a chance de eventualmente minimizar os erros cometidos.

Pessoalmente, eu esperei vinte e dois anos até dar o meu primeiro passo na ultradistância. Comecei a correr em 1980, fazendo prova de 1.500 metros na pista. Dois anos depois, vi que velocidade não era 'minha praia' e fui pro asfalto correr 10 km. Três anos depois, já como militar, na Marinha do Brasil, fiz minha estréia em maratona, à qual fiquei vinculado durante dezessete anos.

Foi quando verifiquei não dispor mais de amplas condições para lutar por classificação, tanto no geral quanto na categoria de idade. A partir de então, o degrau de cima - como eu era um cara historicamente muito resistente - me caiu como opção. É o 'degrau de cima', no caso da maratona, é a ultramaratona. Vão-se, pois, quinze anos nessa seara aeróbia altamente particular.

Quiçá, por conta de sempre ter refletido com cautela acerca de cada passo que dei na minha vida desportiva, quiçá por conta de ter planejado, pedagógica e didaticamente, a minha inserção na ultradistância, eu consiga carregar comigo uma longevidade pouco vista nos dias atuais. Trinta e sete anos de prática contundente no atletismo não é algo fácil de ser construído. É claro que eu devo tudo isso a Deus, meu condutor e norteador no último quarto de século.

Acabei de relatar uma experiência pessoal no atletismo. A experiência do Fernando Pangaré. Cada candidato à ultradistância deve construir a sua relação específica com a ultradistância.

Se alguém me pedisse uma 'receita de bolo', com certeza, eu não teria.

Se alguém me perguntasse se seriam necessários vinte e dois anos de atletismo para alguém dar os seus primeiros passos na ultradistância, com certeza, eu responderia que não. O que funcionou na minha vida desportiva não necessariamente poderia funcionar na vida desportiva alheia.

De qualquer forma, o que queda bastante claro e inquestionável é a necessidade de lastro fisiológico, uma forte bagagem orgânica para que a gente consiga construir uma perspectiva de êxito na ultramaratona. Do contrário, estaremos fadados ao não sucesso (também entendido como fracasso).

E é o que a gente vê por aí de montão. Praticantes reféns de sucessivas lesões, longes de experimentar progressão em sua opção aeróbia.

Parabéns pelo trabalho Cerqueira.
É isso aí. Sucessos!!!

4 comentários:

  1. Marcos Oliveira
    Pura verdade, Cerqueira. Vou para minha setima maratona e ainda nao me sinto digno da distância. Vontade de correr acima de 42? Claro. Mas tenho a consciência de precisar de mais empenho.

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    Respostas
    1. Boa noite Marcos é isso mesmo se todos os corredores tivessem essa mesma idéia muitas coisas iriam fluir bem. Muito obrigado e espero que vc alcance as Ultras um dia. Bons treinos!!!

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  2. Panga!
    Parabéns, Jorge, pela discussão!
    Conta sempre com o amigo 'Panga', em Fortaleza/CE.
    www.fernandopangare.com

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