sábado, 3 de maio de 2008

Psicologia da Fadiga

Matéria e ilustração retirada da Revista VIVA.

Cuidado com seu Cérebro.
Ele costuma sabotar à sua vontade de correr.

Como corredores que se especializaram em brincar como os limites da resistência, todos nós já estivemos em companhia da nossa dolorosa amiga. A FADIGA incomoda todo mundo e não respeita nenhum nível de preparo físico ou mental.
O fato é que todos nós sabemos muito pouco sobre a fadiga. Muitos preferem nem pensar no assunto porque a simples menção pode, às vezes, cansar-nos. Acontece que o momento certo de combater a fadiga não é durante uma corrida, mas agora – quando podemos refletir claramente e entender quais estratégias podem ser utilizadas para amenizar o seu impacto.

Acredito que a fadiga seja, basicamente, um fenômeno mental, mesmo que possa ter suas origens no corpo. Quando seus estoques de glicogênio se esgotam, por exemplo, você se torna fisiologicamente cansado. Seus músculos tornam-se menos ágeis, parecem pesados. Esta sensação é recebida pelo cérebro que, por sua vez, sabota os esforços do corpo ao enviar mensagens negativas para interromper a corrida ou diminuir o ritmo. “Deixe-o passar, o quinto lugar não é tão mau assim...”, “não seria ótimo estar nadando agora?”, “o que será que eu estou fazendo aqui”? – tais pensamentos nos são familiares em momentos de extremo esforço.

Algumas vezes você poderá até ficar perturbado e tenso quando sentir que está fisicamente fatigado. Esta “ansiedade secundária” poderá levá-lo à irritação. Aí você começa a pensar: “Eu estava me sentindo tão bem, por que isto está acontecendo comigo?”. Mas preste atenção. Qualquer uma dessas sensações internas poderá prejudicar seu desempenho e frustrar os seus esforços para continuar.

A fadiga pode também se acionada pela mente antes que o corpo esteja realmente cansado. Quantas vezes não aconteceu de você estar correndo tranquilamente pelas ruas e, de repente, vislumbrar uma elevação no percurso (uma ladeira, por exemplo) e sentir-se fatigado por antecipação? E talvez você já se tenha sentido cansado depois de ser ultrapassado por um corredor que – você sabe – corre menos que você. Ambas as situações criam uma síndrome de ansiedade que pode causar algumas reações fisiológicas negativas e uma posterior fadiga.

Como um corredor de elite reage quando a fadiga se instala? Fiz esta pergunta aos participantes dos meus seminários no Centro de Treinamento Olímpico. Eu suspeitava que eles sentissem e pensassem coisas parecidas com aquelas experimentadas por todos os corredores, e suas respostas confirmaram isto. A elite reage à fadiga com a perda de confiança, com a distração, a frustação e pensamentos negativos. Essas são as respostas do corredor médio e são também as respostas normais a uma situação estressante.

Como evitar a fadiga fisiológica? A seguir, estão várias sugestões e estratégias, compiladas num seminário, nas mais recente pesquisa sobre a fadiga, e também conselhos informais de alguns corredores.

1. Dick Beradsley sugere que você se concentre mais à medida que se aproxima do final. Numa maratona, faltando quatro quilômetros para chegar, você pode pensar como é fácil correr esta distância pelas ruas da sua vizinhança. Este é um ponto de referência que poderá ajudá-lo a descobrir que a tarefa não é assim tão árdua. Numa corrida de cinco milhas, por exemplo, se você se sentir fatigado na quarta milha, diga a você mesmo que só falta uma milha para terminar. Coisas assim ajudam.

2. Lutar contra a fadiga é inútil; psicólogos já demonstraram que “se você resiste, ela persiste”. O esforço para combatê-la vai consumir energia, aumentar a ansiedade e levar a uma fadiga maior ainda. Em vez de combatê-la, coopere com ela. Tente pensar nela como um amigo da família que veio correr junto com você. Converse com ela. Diga coisa como: “Oh, é você de novo. Fazendo uma visitinha de costume, hein? Tudo bem, venha junto, mas eu não vou correr devagar por sua causa – portanto, apresse-se e me acompanhe.” Conduzindo uma conversa imaginária como essa você automaticamente reduzirá a ansiedade e neutralizará os efeitos trágicos desse transtorno.

3. Concentrar-se no estilo e no ritmo também ajuda muito, de acordo com Jon Sinclair, um dos melhores corredores. Pergunte a si mesmo: “Será que eu estou correndo muito rápido agora? Como está a minha postura? O movimento dos joelhos está bom?” Os corredores de elite preferem associar-se a seus corpos. Ao prestar atenção em seus corpos, eles se tornam capazes de detectar qualquer erro nos movimentos e reduzir a fadiga que pode ser resultante de um estilo deficiente ao correr. Corredores de primeira linha concentram-se na parte mecânica dos movimentos ao invés de se tornarem ansiosos com o desconforto. Tal enfoque permite a eles permanecerem concentrados na competição e os previne de se distraírem com a dor.

4. Muitos corredores não profissionais me disseram que literalmente conversam consigo durante os momentos de fadiga. Por exemplo, você poderia dizer para você mesmo: “Todo mundo sente as mesmas coisas que eu, mas, se todo mundo consegue superar, eu também sou capaz de conseguir. Apenas mais alguns minutos e estará tudo bem; poderia ter sido pior.”

5. As pesquisas mostram que os nossos corpos respondem fisiologicamente às imagens que a mente retém de uma situação particular (da mesma forma que a imagem de uma laranja aciona a salivação). Em função disso, as técnicas de visualização podem ser muito úteis. Por exemplo, durante as semanas que precedem um evento, simule a corrida na sua mente e imagine a fadiga que poderá apoderar-se de você. Imagine-se respondendo positivamente à ela e vencendo a competição. Visualize-se correndo tranquilamente e cheio de energia. Este processo funcionará durante a corrida. Tente imaginar a contração dos músculos dos ombros se dissipando à medida que você relaxa e deixa seus braços soltos por 30 segundos. Visualize os músculos contraídos como flocos de neve derretendo-se rapidamente.

6. Tente negociar com seu corpo, dizendo-lhe que você o fará descansar, que você vai alimentá-lo e que logo ele estará em forma novamente. Diga à você mesmo que o que você está fazendo é importante e que vai valer a pena ter tolerado esse momento quando a tarefa terminar.

7. Divirta a sua mente. Um maratonista contou-me, certa vez, que ele canta, lembra-se de anedotas e reconstitui seus melhores momentos. Outro corredor me contou que faz fantasias sobre viagens, planos para o futuro e resolve problemas de aritmética. Uma corredora resolve o problema espremendo o polegar entre os dedos indicador em médio até que a sua atenção esteja completamente voltada para a dor dos dedos; ela então sacode as mãos para aliviar a pressão e a fadiga parece abandonar o corpo. Qualquer que seja a técnica adotada, lembre-se que a fadiga pode não desaparecer de todo. Mas, à medida que você se concentra nas estratégias para neutralizá-la, ela vai desaparecendo até sumir completamente.

8. Finalmente, tente reinterpretar a sensação. Esgotamo-nos mais pela visão que temos da fadiga do que pela fadiga em si. Dessa maneira, se você mudar a sua concepção de dor, estará mudando a dor. Por exemplo, você pode querer interpretar a fadiga pela sensação obtida quando seus músculos trabalham pesadamente. Agora interprete a fadiga como um passo necessário à exploração do seu potencial. Imagine como seria fantástico se você estivesse o dia inteiro sob a sua ação da endorfina.

Você tem muitas alternativas para lidar com a fadiga. Eu sugiro que você tente cada uma delas isoladamente e veja qual se adapta melhor a você. Antes de cada corrida ou competição, prepare mentalmente as estratégias que vai empregar. Sabendo que você está sob seu próprio controle, você será capaz de neutralizar a ansiedade e diminuir a fadiga, controlando-a quase completamente. Na primeira sensação de dor, ponha suas estratégias para funcionar. Tenha em mente que você pode tirar vantagem dessa sensação terrível que é a fadiga, sem sofrer tanto por sua causa.

5 comentários:

  1. Jorge, parabéns pela iniciativa!!
    Adorei!!!
    Ponha mais textos da VIVA!!!!

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  2. Jorge adorei este texto. Venham mais.
    Beijinho
    Fátima

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  3. Aqui está um bom "manual" para enfrentar os esforços longos.
    Se conseguirmos ter presentes estas dicas quando estamos a atravessar os maus momentos, ficaremos aliviados, sem dúvida.
    Penso que a preparação psicológica não é menos importante que a física, para se enfrentar a "saturação" que pode surgir nas longas distâncias.
    Texto muito útil. Parabéns.
    Abraço.
    FA

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  4. Jorge, excelente post!

    A mente é muito mais forte que o corpo e pode ser direcionada e orientada para que tenhamos sempre uma melhor performance.

    É difícil domá-la, mas essas técnicas vão ajudar bastante.

    Estão bem voltadas para o conceito de PNL (visualizações, mentalizações, auto-sugestão, etc)

    Meu sogro que adora isso!

    Obrigado e parabéns!

    Paulo.

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  5. A minha tática é imaginar que estou na Quinta da Boa Vista. Lá 10 Km dá 3 voltas e 1 / 3 de volta. Isso me ajuda e muito, especialmente nos últimos 3 Km, quando só falta uma volta.

    Beijos.

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